caio - procedimento de rotina

a partir da leitura de Caio Fernando Abreu, passei a olhar para a minha própria condição homossexual e a procurar nela uma consciência e uma poesia. Esse blog mostra todo esse processo de buscas e pesquisas.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Procedimento de Rotina #1


Sonhei que os vidros do perfume que você me deu derramavam seu líquido infinitamente no nada, eu não conseguia detê-los.

Nem sei se queria.

Ouvi você me chamar, eram três da madrugada, eu acho. Eu queria ter não sei que forças prá me levantar e te ver. Sem me importar de estavas bêbado, noiado, ou sei lá que mais drogas você anda usando. Mas eu não podia, eu sabia na minha cabeça que não podia. Só na minha cabeça eu sabia disso. Depois de chamar meu nome por umas três vezes, você ainda disse: sou eu, o Carlinhos, eu não reconhecia sua voz. Reconheci as inflexões, a construção léxica (nem sei se sei o que isso significa).

Queria que você tivesse ficado ainda um pouco parado mudo diante do portão, pensando em nós, de cara pro portão. Queria mesmo que tivesse chorado pelo menos um soluço de saudades. Nossa história. Assim eu teria forças pra permitir também uma lágrima.

No dia seguinte me debati pensando se eu te causava alguma dor. Se era realmente você. Se você ficaria parado de cara pro portão.

Eu tinha que acabar com isso sem querer. Porque não dava mais pra mim. Eu não queria não te querer, mas eu tinha que não te querer mais.

Foi bom encontrar os vidros de perfume ainda cheios, e foi bom amanhecer. Ao contrário de quando a gente dormia juntos, agora era bom amanhecer. Agora era, era bom que o tempo passasse. Me ajudava em alguma coisa, que eu ainda não sei o que é.

Assim como me ajudava não pensar mais em nada. Tentar nem gostar nem desgostar da saudade que eu sentia do teu corpo.

Tentar pensar que ainda estava bem, que tudo estava bem, mesmo que não fosse exatamente assim, também ajudava. Porque na verdade tudo estava bem.

Eu vou te procurar e dizer que não me procure mais as três, nem quatro nem nunca. Eu também não quero fazer isso, mas vou fazer, eu tenho mais medo de mim do que de você agora. Eu tenho medo do que eu posso fazer pra mim mesmo, com as coisas que sinto, você já sentiu isso?

Eu fico inventando que não sofro nada, que é bom que tudo tenha acabado, que foi melhor pra todo mundo, que aquelas frases eram passageiras, que a vida é sempre passageira, e temos que nos desapegar...

Eu não quero te dizer nada disso, porisso estou escrevendo. Pra você mesmo eu não quero e direi: vamos acabar com isso? por favor!

E se tudo correr bem, eu me levanto sem arrependimento, te olho ainda nos olhos, e saio.

Se Deus me ajudar eu não olho nem pra trás.



2 comentários:

Unknown disse...

Por que despedir-se de algo que a gente ainda quer?
Por que desistir de algo que a gente ainda espera poder explorar?
Por que temos nós que dar o exemplo de conduta?
As mil voltas dadas pela razão já não parecem ter razão
E o sentimento já não encontra do que se alimentar
Um vazio, vazio, vazio.
Às vezes desejo que nada mude....mas admito que mudar foi tudo que pude.

Jorge/cia.ltda. disse...

porque não nos depedirmos quanto tudo ja se foi?
porque as coisas se vão, quer nos despidamos ou não delas.

Vazio, sim!